segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Rádio no contexto democrático de Angola (1)

A semana passada estive no Huambo, onde a direcção da Emissora Católica de Angola realizou o IVº Fórum dos seus Correspondentes.
Pediram-me para falar da rádio no contexto democrático de Angola, o que é possível fazê-lo de várias perspectivas e com vários enfoques. Desde logo está claro no nosso contexto que a pouca democracia que hoje usufruímos foi em grande parte também resultante da actividade da radiodifusão de uma forma geral e em particular da intervenção das rádios privadas, sem as quais, dificilmente teríamos chegado até aqui. Definitivamente a manter-se o panorama anterior dominado apenas pelo sistema RNA não teríamos o que hoje temos em matéria de estado democrático, que tem na liberdade de expressão e de imprensa um dos seus pilares mais estruturantes e autênticos. A radiodifusão em Angola foi e continua a ser o grande esteio destas duas liberdades, com as quais a maior parte dos angolanos tem sabido defender-se de todos os ataques dos amigos do silenciamento e do pensamento único. O tema que nos foi proposto tem tanto pano para mangas que daria certamente para ficarmos aqui a falar algumas boas horas, só à título de introdução. Pelo tempo disponível não há certamente muito tempo para falarmos com o detalhe necessário da evolução que a rádio conheceu desde que, no inicio da década de 90 o país do mono, passou a transmitir timidamente em stéreo, com o surgimento das primeiras rádios fora do sistema da RNA central e dos seus satélites provinciais. Em abono da verdade, o surgimento das referidas emissoras foi ainda uma emanação política desse mesmo sistema, pois todos sabemos o contexto em que as cinco primeiras FMs gémeas contentorizadas se instalaram e foram para o ar, começando pelo seu processo de aquisição ao exterior com a utilização de dinheiros públicos. Só uma entidade neste país estaria em condições de fazê-lo. A outra, do outro lado da barricada, com idêntico poder, já o tinha feito alguns anos antes com a montagem da emissora Vorgan, que foi efectivamente a primeira rádio a transmitir em território nacional completamente fora do sistema RNA, no contexto de guerra aberta que então devastava o país, ameaçando a sua sobrevivência. Tudo o que se seguiu depois foi apenas a acomodação técnica e a gestão editorial do equipamento adquirido e distribuído estrategicamente pelas cidades de Luanda, Cabinda, Benguela e Lubango, no âmbito de uma estratégia que tinha em conta a necessidade de dotar o MPLA de meios próprios de comunicação social em caso de uma derrota eleitoral em Setembro de 1992, o que não se veio a concretizar. Tal desenvolvimento acabou por introduzir algumas alterações significativas na estratégia editorial inicialmente gizada para aquelas primeiras emissoras privadas do pós-independência, que de facto se transformaram, com todos os altos e baixos que se conhecem, nas primeiras lufadas de ar fresco do nosso panorama radiofónico, já num contexto formalmente democrático, na sequência da realização das eleições multipartidárias de 92. O novo oxigénio introduzido foi antes de mais, e sobretudo, o resultado da dinâmica profissional e da coragem dos primeiros jornalistas que foram trabalhar naquelas FMs, alguns dos quais viriam a conhecer depois situações bastante complicadas no seu relacionamento com a entidade empregadora, por terem abraçado demasiado a nova bíblia da liberdade de imprensa. Seja como for, devemos reconhecer que o desempenho editorial das novas estações, com todas as limitações políticas que se conhecem, acabou por pressionar o sistema RNA a iniciar a democratização da sua própria programação, num processo de avanços e recuos que ainda não está consolidado até aos dias de hoje, numa altura em que as tendências mais conservadoras do passado monolítico voltaram a ditar as suas regras cinzentas e controlistas em relação aos conteúdos e aos protagonistas da actualidade. De referir que a quinta emissora que deveria ter sido instalada no Huambo nunca o foi, por razões que até ao momento não sabemos exactamente mas que adivinhamos estarem relacionadas com a rápida deterioração da situação militar no planalto central a favor da UNITA. Como se sabe o sistema RNA, controlado nos primeiros 14 anos directamente pelo DIP do CC do MPLA, foi implementado com o surgimento da independência em 1975, tendo a ECA sido a última das rádios privadas herdadas do tempo colonial a ser trucidada pelo rolo compressor do partido único em Maio de 1977, na sequência dos sangrentos acontecimentos de triste memória de 27 de Maio.
(Cont)