segunda-feira, 1 de março de 2010

(Flashback/Março 2008) Valorização das figuras históricas nacionais

O presidente José Eduardo dos Santos já nos habituou de tal forma a governar com comissões que, por vezes, já nem prestamos muita atenção ao surgimento de mais uma e muito menos ao conteúdo do seu mandato. ATT: Não confundir estas comissões com as outras, as famosas “comichões”, uma conhecida “febre afetosa”, avessa a qualquer tipo de vacinação, que já atacou a governação deste país há muito mais tempo, sendo responsável por muitos e estranhos sinais de ostentação de riqueza que surgem do dia para noite. É uma “febre” muito rápida a actuar. Nos últimos tempos têm sido criadas muitas comissões, a traduzir uma intervenção presidencial que nem sempre se entende muito bem à luz de uma certa e recomendável racionalização de meios e estruturas. Quanto à eficácia das mesmas, estamos sentados até hoje a espera dos resultados do trabalho de algumas delas, depois dos seus prazos já terem sido vencidos. Disseram-nos que nestas comissões a primeira preocupação dos seus integrantes é definir a folha de salários e das outras mordomias possíveis e imaginárias. Devido à dispersão institucional das mesmas, não nos foi possível confirmar esta informação pois ainda não foi criado o ministério das comissões que, por acaso, até já começa a ser necessário para controlar os “camaradas” todos que andam por aí de comissão em comissão.
Esta semana foi criada pelo Presidente mais uma destas estruturas ad-hoc a quem foi dado o nome completo de “Comissão Multisectorial encarregue da implementação do Projecto de Valorização e Divulgação de Figuras Históricas Angolanas, em todo o território nacional”. É assim mesmo que consta da “notícia oficial” que espalhou entre nós a boa nova, depois de andarmos por aqui tantos anos a pregar neste cantinho sobre a necessidade dos angolanos fazerem as pazes com a sua história. Desde logo sentimos que esta Comissão era diferente, que tinha qualquer coisa de menos governamental e mais virada para o país na sua multifacética, contraditória e conflituosa realidade. De imediato e antes mesmo de lermos com devida atenção a “notícia oficial”, enviamos uma mensagem bastante entusiasmada para os nossos botões: “Finalmente caros companheiros das minhas camisas diárias, que não são de forças, aqui está uma boa notícia para o país em prol da reconciliação de todos os angolanos com a sua história”. O nosso entusiasmo esmoreceu bastante, entretanto, pois ao lermos a notícia deparamo-nos com uma comissão, que será coordenada pelo titular da cultura, integrada apenas por representantes de ministérios e mais ministérios, todos pertencentes ao mesmo Governo do mesmo Presidente. Como se sabe há outros ministérios e outros ministros que bem poderiam ser tidos e achados nesta ingente e patriótica tarefa que há muito era aguardada, como sendo a resposta que se impunha aos desafios de uma história que tarda em ser devidamente contada as novas gerações por razões de ordem política. Em particular e por razões óbvias, não tenho nada contra nenhum dos ainda desconhecidos representantes, mas devo confessar que as dúvidas instalaram-se de imediato quanto à bondade do projecto, pois muito dificilmente uma tal comissão estará em condições de corresponder a um mandato tão abrangente quanto profundo, conforme ficou expresso no texto da sua proclamação: “A comissão tem a incumbência de promover um amplo estudo das figuras históricas nacionais e divulgar as suas realizações. É também da sua competência as tarefas de concepção e edificação de estátuas e monumentos históricos. Para a criação da comissão levou-se em conta a necessidade de se estudar e difundir o papel desempenhado por determinas figuras históricas que emergiram durante o processo de formação da nação e de assegurar a preservação do património histórico-cultural do país, através da recuperação da memória e do legado histórico dessas entidades. Considerou-se ainda que o conhecimento, valorização e dignificação das personagens mais relevantes da história angolana contribui para fortalecer a unidade nacional”. Como nada deve ser definitivo neste país, para além da paz e da guerra que já pertencem ao passado, aqui estamos nós a recomendar um alargamento imediato desta Comissão Multisectorial a outras sensibilidades, instituições e personalidades. Depois talvez fosse aconselhável e desde já, definir mais claramente qual é o período referente ao “processo de formação da nação” e quem são as “determinadas figuras históricas”. Se estão determinadas, então já será possível fazer por consenso a sua listagem para submetê-la a uma certa consulta da opinião pública mais esclarecida, sem haver necessidade de se fazer nenhum referendo. Somos todos conhecedores das hesitações que o MPLA tem tido a respeito desta matéria, começando pelas figuras que estão na sua própria origem. Tudo leva a crer que a recente morte em simultâneo de Joaquim Pinto de Andrade e Gentil Viana tenha pressionado, no limite, o MPLA e o seu Governo a darem inicio a este processo de recuperação dos grandes protagonistas da nossa história mais recente, pois em relação aos outros não parece haver grandes dificuldades. Se as nossas expectativas se confirmarem só nos resta encorajar a comissão, desde que alargada a outras sensibilidades, a trabalhar a todo o vapor e com toda a coragem e frontalidade, pois a história de Angola está cansada de omissões, silêncios, manipulações, meias verdades e muitas mentiras.