segunda-feira, 8 de março de 2010

Delinquência em Angola: Causas, Consequências e Modelos (1)

A“semianalfabeta” da minha amiga Encarnação Pimenta (EP) como ela própria se apresenta nesta sua tardia estreia no mundo angolano dos livros, conseguiu convencer-me a vir até aqui, transformado-me num passe de mágica em analista social, para dizer algumas coisas sobre os seus primeiros dois livros em jeito de apresentação. Antes de mais, o que desde já lhe agradeço, EP conseguiu que eu também deixasse a minha condição de semianalfabeto funcional, para ler os seus livros, obstáculo que de imediato lhe coloquei do fundo da minha mangonha estratégica para tentar recusar o seu convite. Desconsegui, e aqui estou eu também por esta via indirecta, a da apresentação, a estrear-me no mundo dos livros, para onde todos os anos, sem sucesso até ao momento por minha exclusiva culpa, tento entrar pelo meu próprio pé para cumprir cabalmente a profecia, segundo a qual o homem só se realiza depois ter tido um filho, plantado uma arvore e escrito um livro. O homem e a mulher, naturalmente. Das três obrigações, só me falta agora publicar o livro que já está meio escrito, pelo que é com a maior satisfação que venho aqui celebrar com a minha amiga Encarnação Pimenta a sua realização completa como mulher, pois acredito que ela também já tenha cumprido as duas outras obrigações. Confesso que para além dos jornais, das revistas, da Internet e dos livros de cheques, tenho lido cada vez menos nos últimos tempos, tendência preocupante para quem anda nestas lides. Com algum custo para a minha preguiça lá consegui dar uma vista de olhos pelos dois livros que hoje nos trazem aqui a este acolhedor jango da Chá de Caxinde, que é cada vez mais a catedral da cultura luandense. Estamos a testemunhar, através destas duas obras interligadas de EP, “Eventuais causas e consequências da delinquência em Angola” e “Quem produz delinquentes”, com capas de choque que podem vir a provocar alguma polémica, o lançamento de mais uma importante contribuição para compreendermos melhor, do ponto de vista sociológico e psicológico, um país real chamado Angola, que continua a inspirar sérios cuidados como paciente, embora já se tenha afastado do seu anterior estado terminal, quando o barulho da guerra ainda não era o entulho, cantado por Filipe Mukenga. Este país, note-se, tem cada vez menos a ver com determinadas imagens que dele se projectam sobretudo através de algumas narrativas mais politizadas, que em nome da estratégia eleitoral, apostam no defensismo em vez de optarem pela coragem de colocar o dedo na ferida dolorosa e purulenta. A propaganda, que é o tal marketing, ajuda bastante a esconder a realidade e a disfarçar a dor, mas não resolve os reais problemas de uma sociedade, para além daqueles que depois resultam no enriquecimento dos seus agentes directos e indirectos que cada vez ganham mais com a venda das suas perdulárias campanhas, sobretudo quando elas são pagas com dinheiro público. A propaganda, pelo contrário, agrava os problemas sociais a médio prazo, pois impede a sua identificação rigorosa e objectiva, transmitindo a sensação de que está tudo mais ou menos bem, com a utilização de slogans como “estamos sempre a subir” ou “somos especiais”. Estamos e somos as duas coisas, mas, certamente, não no sentido que se pretende conferir na sua versão original aos dois chavões. Não se trata aqui de não querer ver o que se está a fazer, porque de facto se estão a fazer muitas coisas num país onde está tudo por fazer. Trata-se é de ver com olhos mais profundos que já não se satisfazem com a primeira impressão, que já não se impressionam com as primeiras luzes da ribalta e muito menos confundem as promessas com a realidade dos números, das estatísticas sociais que dificilmente estão disponíveis para quem queira olhar mais de perto para a realidade angolana. São estes olhos, mais do que os outros que ajudam a construir o país que é feito de homens que têm personalidade própria e de famílias que enfrentam necessidades básicas ao nível da sua sobrevivência quotidiana, que acabam por explicar uma grande dos problemas relacionados com a preocupante delinquência cujos índices não podem deixar ninguém indiferente por mais guardas e armas que possuam para a sua protecção. EP compara a personalidade humana a um edifício, tendo como referência a construção de uma casa. Não é possível, diz-nos, avaliar uma construção só pela sua beleza exterior. É necessário, recomenda, que se avaliem também os materiais que foram utilizados na sua construção e a sua estrutura arquitectónica. A família, segundo EP, funciona para o indivíduo como a estrutura interior da casa, como os seus caboucos, sendo ela que determinará em primeira instância o tipo de pessoa que a sociedade no futuro irá absorver ou recusar. Não se podem fazer olhinhos bonitos só para agradar ou para não entrar em choque ou ainda para não arranjar problemas, mais do que aqueles que já temos. Os especialistas e os jornalistas não podem ir por aí. É sentido proibido. É andar em contra-mão.
(Cont)