[Ponto Prévio: Este texto foi escrito cerca de dois antes da FNLA ter sido "tomada de assalto" pelo Tribunal Constitucional. No essencial o seu conteúdo enquadra-se perfeitamente no momento actual, em vésperas de mais um Congresso dos irmãos desavindos.]
Qualquer angolano que defenda para Angola um regime efectivamente democrático, sabe que este projecto não é viável sem a existência de uma oposição forte, consistente e actuante.
Esta oposição pode ter este perfil, mesmo que a dado momento da sua trajectória, os resultados da aritmética eleitoral não lhe sejam os mais favoráveis, que é o que acontece neste momento em Angola na sequência do longínquo pleito de 1992.
De outro modo estaremos apenas diante de um regime multipartidário, com o partido no poder a governar a seu bel-prazer e a ditar as suas regras, sem que a opinião pública tenha acesso a outras abordagens em matéria de gestão da coisa pública.
Para um regime democrático as coisas complicam-se ainda mais quando a oposição, que já tem graves problemas de representatividade (por ser minoritária), se vê confrontada com crises internas recorrentes em alguns dos seus destacamentos mais importantes.
Diante de tantas fragilidades, o partido da situação deixa de ter outros receios mais estratégicos que, normalmente, assaltam os regimes no poder quando se começam a avizinhar as próximas eleições.
São as tais favas contadas ou as vitórias antecipadas.
Um destes receios é a existência de uma alternativa credível à sua governação que possa convencer o eleitorado a mudar de calças ou a envergar uma outra camisola com cores mais suaves.
Do abstracto para o concreto, a crise da FNLA ilustra bem a realidade da oposição angolana que nesta altura está de facto privada de uma formação histórica com um grande potencial eleitoral.
Lamentavelmente, a FNLA todos os dias perde votos devido à incapacidade das suas elites em resolverem um diferendo que esmaga todo um projecto, ameaçando já nesta altura a sua própria sobrevivência política.
Com a morte de Holden Roberto (HR) uma luz no fundo do túnel, tendo em vista a procura de uma saída urgente para a crise, foi projectada no horizonte, com o início de uma promissora correspondência entre Lucas Ngonda e Ngola Kabangu que fiz questão de destacar num dos meus comentários radiofónicos.
A louvável iniciativa que partiu do sociólogo em nome da reconciliação, não parece ter, contudo, encontrado a melhor receptividade junto do engenheiro, pelo que, lamentavelmente, as coisas voltaram à estaca zero.
Uma grande oportunidade foi assim deitada pelo cano abaixo.
Devo confessar que, pessoalmente, sempre tive mais apreço pela causa do engenheiro, pois via na altura o sociólogo como sendo apenas mais uma arma de arremesso (descartável) que o regime estava a utilizar indirectamente na sua luta contra Jonas Savimbi (JS), visando o seu completo isolamento.
Na altura, como estamos todos bem recordados, Holden Roberto incomodava muito o regime por continuar a insistir na tecla do diálogo com JS como sendo a solução para a guerra.
Conhecedor que julgo ser do modus operandi (onde se inclui a sua estrutura mental) partilhado pela geração dos três kotas da dipanda, nunca questionei a legitimidade da contestação interna conduzida por Lucas Ngonda, mas de facto achava que ele estava a ser utilizado por forças externas ao seu partido, o que se veio a confirmar plenamente.
Após ter sido reconhecido como novo Presidente da FNLA por via da sua nomeação administrativa para o Conselho da República, Ngonda voltou à primeira forma há já algum tempo com a retirada do tapete vermelho que lhe havia sido estendido.
Nos dias que passam e depois da morte de HR, mantendo intacta a minha simpatia pelo engenheiro, que acho ser um político de mão cheia com a necessária capacidade de argumentação para enfrentar qualquer situação, sou forçado a dirigir-lhe um apelo com a melhor das intenções.
Um apelo que resulta de tudo o que me foi dado a ver, a ouvir e a ler nos últimos tempos, sobretudo no tocante à forma como decorreu o congresso da sua entronização. A todos os títulos lamentável.
O apelo é, obviamente, construtivo. Só podia ser, aliás, vindo da parte de quem acha que Angola tem de se reequilibrar rapidamente a todos os níveis, começando pela gestão do poder político, que acaba por ser a chave-mestra desta interminável transição.
O apelo é para o engenheiro voltar a ler com mais calma as cartas do sociólogo que (surpreendentemente!!!) quanto a mim, parece ser nesta altura a pessoa que tem uma perspectiva mais reconciliadora e abrangente do dossier, depois de ter ultrapassado as sua ambições mais pessoais com o consequente e voluntário abandono de todo o seu património anterior conseguido em “congressos” unilaterais a par de outras operações menos conhecidas.
Apenas isso, antes que o Tribunal Supremo nas suas vestes de Tribunal Constitucional, tome uma decisão em relação ao futuro da FNLA, o que parece cada vez mais iminente depois de ter fracassado de forma estrondosa a tentativa de mediação que teve lugar naquela instância.
Seria de facto um golpe de misericórdia termos a FNLA a ser governada interinamente por uma espécie de administrador judicial à semelhança do que acontece actualmente com a AIA, que já foi a maior e a mais esclarecia associação do sector económico nacional.
E o que é mais preocupante para a própria FNLA é que o Tribunal já tem essa competência.
A última revisão da Lei dos Partidos Políticos entregou expressamente ao Tribunal Constitucional (artigo 28) o poder necessário para dirimir todos os conflitos internos que resultarem da aplicação dos estatutos ou convenções.
(Novembro/2007)